sábado, 27 de setembro de 2008

Meu Guri





'Quando nasci o espelho estava trincado. “É prematuro”, todos diziam. Cresci me sentindo diferente. Na escola, aprendi escrever com a mão esquerda. A professora dizia que eu era como “Carlos, gauche na vida”. Muitas vezes pensei que esse Carlos era o pai que não conheci. Nunca entendi. Larguei a escola.
Não foi a única coisa que abandonei. Saí de casa aos 14. Não suportava os pedidos choramingados de minha mãe. Até era uma boa pessoa, mas pegava demais no meu pé. Decidi me fazer sozinho.
Rondei muito tempo por aí. Parei porque estou nesse cubículo quatro por quatro. Por um tempo achei que seria notícia de jornal. Nunca saiu nada, nenhuma linha. Também não fiz nada tão importante assim. Coisas da vida.
Ela foi a única que tentou me visitar aqui. Não deixei. Não é lugar para ela. Mesmo sabendo que ela estava com uma baita pizza quatro queijos que fazia minha boca salivar só de pensar não deixei. Sou orgulhoso, sempre fui.
Tenho 21. Não sei por quanto tempo vou ficar. Nem tenho pressa. Nada me espera lá fora. Acho que nem ela. Se nasci antes da hora, agora sei que a hora nunca foi certa pra mim. Prefiro ficar aqui, deixa o tempo passar.
Pediram para eu escrever sobre a minha vida. Não há nada tão interessante para ser contado. Na verdade, lembro de muito pouco. Minha memória nunca foi das melhores. Diziam que era por falta de ferro. Também nunca entendi porque o que a minha mãe mais fazia era me bater quando eu esquecia a tabuada. Ela batia, eu corria, e era sempre assim. Fiquei rápido.
Mas ainda não o suficiente. Foi o que senti quando me pegaram. Achei que escaparia mais uma vez. Mas não consegui, me pegaram de jeito. Mais uma vez apanhei bastante. Não me importo. Sempre apanhei e nunca derramei uma lágrima. Já disse… sou orgulhoso.
Escrever sobre o que eu quero da vida? Não sei. Já disse que não espero muita coisa. Acho que ela também não espera muito de mim.

Bell Gama 23/06/2008"

Nenhum comentário: